As Alianças de Deus – Israel: de Adão aos Cristãos (1)

Como prometido no post intitulado “Quem é Israel?” vou escrever uma série de posts sob o título “As Alianças de Deus – Israel: de Adão aos Cristãos”, com o seguinte objetivo: demonstrar, através da análise de cada Aliança estabelecida por Deus com a humanidade, que em cada Aliança existe uma prefiguração e uma preparação espiritual para a última e eterna Aliança, a Nova Aliança estabelecida por Deus através de nosso Senhor, Jesus Cristo; através disso, destacar a importância de Israel no plano de salvação para toda a humanidade, que é a vontade de Deus e a lógica de toda a história da vida do homem; e por fim, demonstrar que “Israel” se refere ao povo escolhido por Deus através das Alianças por Ele estabelecidas com a humanidade, e que a mais importantes de todas as Alianças, aquela estabelecida por Jesus Cristo para toda a humanidade, determina que Israel, daquele momento em diante, e até o fim dos tempos, se refere ao povo cristão – aqueles que se aderem à última e eterna Aliança.

Percorreremos em ordem cada Aliança estabelecida por Deus com a humanidade. Sendo assim, começamos agora, com a Primeira Aliança: a Aliança Adâmica.

A Aliança Adâmica

A partir da Aliança Adâmica, podemos traçar temas fundamentais que prefiguram elementos da Nova Aliança. Esta Aliança inicial, embora sutil em comparação com Alianças posteriores, estabelece conceitos essenciais de relacionamento pactuado, amor sacrificial e o plano de Deus para a união da humanidade com Ele. Ao examinar esses temas, recorreremos a fontes como Santo Irineu e Santo Agostinho, que viam a relação entre Adão e Cristo como o eixo central sobre o qual a história da salvação se desenrola.

  1. Estrutura da Aliança na Aliança Adâmica

Embora não formalizada na linguagem explícita de Alianças posteriores, a Aliança Adâmica é estabelecida através da criação de Adão e Eva por Deus e Seus mandamentos em Gênesis 1-2. Os elementos da Aliança são visíveis nos papéis únicos que Deus atribui a Adão e Eva:

  • Imagem e Semelhança Divina: Em Gênesis 1:27, Deus cria a humanidade à Sua “imagem e semelhança”, uma distinção não concedida a nenhuma outra criatura. Isso reflete um vínculo relacional íntimo e estabelece a dignidade e vocação originais da humanidade. O Catecismo da Igreja Católica (CIC 357) afirma: “Sendo à imagem de Deus, o indivíduo humano possui a dignidade de uma pessoa, que não é apenas algo, mas alguém.” A “imagem e semelhança” de Deus no homem prefigura a Aliança final em Cristo, onde os crentes são chamados a serem totalmente transformados à Sua semelhança (2 Coríntios 3:18).
  • Domínio e Administração: Deus confia a Adão o domínio sobre a criação (Gênesis 1:28-30), uma responsabilidade real que indica seu papel sacerdotal em cuidar da criação. Esta é uma prefiguração de Cristo, o “segundo Adão,” que restaura o governo e o sacerdócio da humanidade sobre a criação através de Sua obra redentora (Romanos 5:14, CIC 378).
  • Casamento como Aliança: A criação de Eva a partir do lado de Adão (Gênesis 2:22-24) e sua união no matrimônio refletem o vínculo de Aliança que Deus deseja com Seu povo. Isso prefigura Cristo e a Igreja, como São Paulo interpreta em Efésios 5:31-32, onde ele chama o matrimônio de um “grande mistério” que se refere a “Cristo e à Igreja.” Assim como Eva vem do lado de Adão, a Igreja nasce do lado perfurado de Cristo na cruz, conforme ensinam os Padres da Igreja (cf. Santo Agostinho, Tractatus sobre o Evangelho de João 120.2).

  1. O Teste e a Queda: Uma Prefiguração da Obediência de Cristo

O mandamento de não comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal (Gênesis 2:16-17) serve como um teste de fidelidade, com o potencial de união profunda ou separação com base na obediência ou desobediência de Adão. Santo Irineu, em Contra as Heresias (5.16.3), observa que a desobediência de Adão introduz o pecado e a morte no mundo, estabelecendo a necessidade de um novo Adão—Cristo—que restauraria a vida e reconciliaria a humanidade com Deus através da obediência até a morte.

  • A Árvore e a Cruz: A árvore proibida no Éden prefigura a Cruz de Cristo, pois ambas representam a escolha entre a obediência a Deus e a separação Dele. Os Padres frequentemente traçam um paralelo entre a desobediência de Adão na árvore e a obediência de Cristo na Cruz. Santo Irineu escreve: “Pela desobediência pela qual ele [Adão] renunciou a Deus, ele caiu sob a morte. Da mesma forma, pela obediência, Ele [Cristo] foi elevado à vida e feito vivo” (Contra as Heresias 5.16.3). O ato de amor sacrificial de Cristo na Cruz reverte a queda e estabelece a Igreja como a nova comunidade de Aliança reconciliada com Deus.

  1. O Protoevangelho: O Primeiro Evangelho

Após a queda, Deus declara inimizade entre a serpente e a “descendência da mulher,” que esmagará a cabeça da serpente (Gênesis 3:15). Isto é conhecido como o Protoevangelho, ou “primeiro evangelho,” uma promessa que prefigura a vitória de Cristo sobre o pecado e Satanás.

  • Maria como a Nova Eva: Os primeiros Padres da Igreja, como Santo Irineu e São Justino Mártir, reconhecem Maria como a “Nova Eva” no Protoevangelho. Assim como Eva desobedeceu, trazendo o pecado ao mundo, o “sim” de Maria ao plano de Deus (Lucas 1:38) coopera na restauração do pecado de Eva e no nascimento da Nova Aliança. Santo Irineu escreve: “O nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria” (Contra as Heresias 3.22.4), preparando o caminho para a Igreja como o povo redimido de Deus através da Nova Aliança.
  • Cristo como o Novo Adão: São Paulo e os Padres da Igreja veem Jesus como o “segundo Adão,” que restaura o que o primeiro Adão perdeu. Em Romanos 5:19, Paulo declara: “Pois assim como pela desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também pela obediência de um só muitos serão feitos justos.” Isso estabelece uma tipologia profunda: Adão, cabeça da velha humanidade, leva à morte, enquanto Cristo, cabeça da nova humanidade (a Igreja), leva à vida eterna.

  1. A Vida Sacramental Prefigurada

No Éden, Adão e Eva vivem em comunhão direta com Deus, simbolizando a vida sacramental da Igreja, onde os crentes participam da graça divina. As árvores vivificantes do Jardim (Gênesis 2:9) prefiguram a Eucaristia, que se torna a “Árvore da Vida” na Nova Aliança, sustentando os fiéis com o Corpo e o Sangue de Cristo.

O relacionamento edênico entre Deus e a humanidade assim prefigura a intimidade da Igreja com Cristo. O Catecismo (CIC 759) afirma: “O Pai eterno, segundo o desígnio absolutamente gratuito e misterioso de sua sabedoria e bondade, criou o universo inteiro e decidiu elevar os homens à participação na sua própria vida divina.” Esse desejo de comunhão, perdido por Adão, é restaurado através da Igreja, onde os fiéis experimentam a união sacramental com Deus.

Conclusão sobre a Prefiguração da Aliança Adâmica

Em suma, a Aliança Adâmica introduz temas essenciais que encontram seu cumprimento na Igreja sob a Nova Aliança em Cristo. Na vocação original de Adão e Eva, na vida sacramental e na promessa de redenção através do Protoevangelho, vemos as raízes do plano final de Deus para Seu povo. Através da Nova Aliança, os cristãos, como membros do Corpo de Cristo, participam de uma relação restaurada, cumprindo o que foi perdido no Éden e prefigurado desde o início.

A próxima Aliança, com Noé, acrescentará a esses temas, aprofundando a antecipação tipológica da Igreja como o povo trazido para uma Aliança eterna com Deus.

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