
Introdução
A cruz era um símbolo de humilhação, tortura e morte. Era um símbolo que causava a agonia dos que assim eram mortos, e a vergonha dos familiares e amigos que continuavam vivos. Para nós, Cristãos, em mais um paradoxo da nossa fé, a cruz se tornou símbolo de vida e vitória.
Fazer o sinal da cruz – esta ação física que nós fazemos com a mão na testa, no peito, e depois no lado esquerdo e direito dos ombros – é um dos mais reconhecíveis símbolos Cristãos, uma forma inequívoca de se reconhecer que alguém pertence à Igreja, o corpo de Cristo nesta peregrinação mundana.
No post de hoje, vou escrever um pouquinho sobre a origem histórica e o significado de fazer o sinal da cruz, e espero que isso ajude a resgatar entre mais Cristãos este símbolo de vitória que nós temos sobre os inimigos e a morte há 2000 anos.
O que é o sinal da cruz?
Fundamentalmente, o sinal da cruz é em si uma oração – uma declaração de fé, um atestamento de uma verdade teológica.
Apesar de breve (e de tanta gente fazê-lo sem a devida reverência), muitas coisas acontecem ao se fazer o sinal da cruz. Este sinal é uma das orações mais curtas, completas e belas que nós Cristãos possuímos: “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, Amém”. Representa o princípio central que nos identifica como Cristãos em sua forma mais concisa, e nos veste com “a armadura da cruz”.
A origem do sinal da cruz
O sinal da cruz é um dos símbolos mais antigos que nós Cristãos possuímos, provavelmente iniciado ainda na época dos Apóstolos.
A menção histórica mais antiga que nós temos do sinal da cruz é datada do ano 208 d.C., em Cartago (atual Tunísia). O sinal da cruz é mencionado por Tertuliano, que organizou e avançou a teologia da Igreja antiga, e escreveu: “Nós, cristãos, vestimos as nossas testas com o sinal da cruz”. O mais interessante, porém, é que neste documento de Tertuliano, escrito provavelmente no ano 208 d.C., ele menciona que se trata de “uma antiga prática nossa” – ou seja: fazer o sinal da cruz já era considerada uma tradição antiga dos Cristãos no ano 208 d.C.! Ele ainda diz que: “Em todas as ações comuns do dia a dia, nós traçamos o sinal da cruz nas nossas testas”. Para quem tiver interesse de se aprofundar mais, tudo isso está no documento intitulado “De Corona” de Tertuliano, no capítulo terceiro.
Estamos falando de “uma antiga prática nossa” no ano 208 d.C. – antiga entre pessoas da terceira geração de Cristãos, gente cujos avós podiam dizer em casa que conviveram com Jesus, que pessoalmente o viram pregar, ensinar e realizar milagres! Outros contemporâneos de Tertuliano foram alunos de professores que foram alunos dos Apóstolos – isso é o quão antigo estamos falando, o verdadeiro início da nossa religião!
Ainda vale lembrar que historiadores geralmente assumem que, quando algo é mencionado historicamente pela primeira vez, você geralmente pode voltar um ou dois séculos no tempo para chegar à provável origem de tal coisa. E se agora já sabemos que fazer o sinal da cruz era algo antigo para os Cristãos no ano 208 d.C., e voltarmos um ou dois séculos, fica evidente que se trata de um costume do nascimento da Igreja – provavelmente, do tempo dos Apóstolos.
Para se ter uma ideia da relevância do sinal da cruz, a Igreja nem havia ainda determinado quais livros pertenceriam ao Novo Testamento quando o sinal da cruz já era considerado “uma antiga prática nossa”. Da menção de Tertuliano no ano 208 d.C., ainda levou mais dois séculos até a Igreja formalizar o cânon do Novo Testamento. Isso significa que nós Cristãos mantemos o costume de fazer o sinal da cruz há muito mais tempo do que tem a Bíblia de existência!
Alguns historiadores indicam que fazer o sinal da cruz se tornou prática comum entre nós Cristãos na época em que o Livro dos Atos dos Apóstolos estava sendo redigido. No Oriente Médio, há algumas referências que sugerem que foi o Apóstolo Paulo quem iniciou a prática de fazer o sinal da cruz. É realmente bem provável, porque temos exemplos de textos de autoria dele que refletem exatamente o significado do sinal da cruz quando nós o fazemos. Alguns exemplos:
“A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina”. (I Coríntios, 1:18)
“Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”. (Gálatas, 6:14)
“Ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus”. (Colossenses, 1:20)
De toda forma, o mais importante é sabermos, sem sombra de dúvidas, que marcar-nos com o sinal da cruz é uma das mais antigas práticas Cristãs, que data do próprio nascimento da nossa religião.
O sinal da cruz honra Jesus Cristo
São Cirilo de Jerusalém, bispo da Igreja de Jerusalém, em sucessão ao bispo Máximo III, entre os anos de 350 e 386 d.C., escreveu muito sobre o sinal da cruz no documento que chamamos hoje de Aula Catequética 13:
“Pois outros apenas ouvem, mas nós tanto vemos como manuseamos. Que ninguém se canse; leve a sua armadura contra os adversários pela causa da Cruz; erga a fé da Cruz como um troféu contra os opositores. Pois quando você for discutir com os incrédulos a respeito da Cruz de Cristo, primeiro faça com a mão o sinal da Cruz de Cristo, e o oponente será silenciado. Não tenha vergonha de confessar a Cruz; pois os anjos se gloriam nisso, dizendo: Nós sabemos quem você procura, Jesus, o Crucificado. (Mateus 28:5) Pois a Cruz é uma Coroa, não uma desonra.
Não tenhamos então vergonha de confessar o Crucificado. Seja a Cruz o nosso selo, feito com ousadia pelos nossos dedos na testa e no corpo; sobre o pão que comemos e sobre os copos que bebemos; em nossas entradas e saídas dos lugares; antes de dormir, quando nos deitamos e quando nos levantamos; quando estamos no caminho e quando estamos parados. A sua graça vem de Deus. É o sinal dos fiéis e o pavor dos demônios: pois Ele triunfou sobre eles na Cruz. Não desprezes este selo, por causa da gratuidade da dádiva; para isso, honre seu Benfeitor”.
Aí está: mais um Cristão “das antigas”, da origem da nossa religião, promovendo que se faça o sinal da cruz sempre, durante todas as coisas mundanas do dia a dia, vestindo-nos com orgulho de pertencermos ao Corpo de Cristo. Ele diz: “Seja a Cruz o nosso selo, feito com ousadia pelos nossos dedos na testa e no corpo”. Em outras palavras: pegue este símbolo, que para os que vivem somente a vida do corpo é um símbolo de humilhação, tortura e morte, e use-o com ousadia exibindo a vitória de Cristo para os incrédulos.
Alguns cristãos não fazem o sinal da cruz?
Alguns Cristãos de denominações modernas não fazem o sinal da cruz. Isso começou com a intenção de distanciá-los da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, através de decisões humanas super recentes que contradizem o entendimento dos mais antigos Cristãos, dos tempos dos Apóstolos e seus alunos. Sem a conexão histórica com o início da nossa fé, estes Cristãos perderam também a compreensão de que este símbolo antecede absolutamente qualquer diferenciação entre nós Cristãos – o sinal da cruz é uma prática unânime de todos os Cristãos da antiguidade.
Paradoxalmente, enquanto algumas denominações questionam e cancelam esta “antiga prática nossa” para se diferenciar dos outros, elas adotam como inquestionáveis outras práticas muito mais recentes e inexistentes nos primeiros séculos do Cristianismo, como é o caso da celebração do Natal, ou até mesmo a crença no Novo Testamento, que é uma coleção de livros criada pela Igreja Católica dois séculos depois de a prática de fazer o sinal da cruz já ser apresentada como “uma antiga prática nossa”.
Alguns usam o argumento de que “fazer o sinal da cruz não está na Bíblia”. Mas a celebração do Natal e a celebração da Páscoa também não estão, para citar somente dois exemplos, e estas tradições não são questionadas utilizando a mesma lógica. Tanto a celebração do Natal como a celebração da Páscoa não aparecem explicitamente na Bíblia, mas através da tradição e teologia estas celebrações mantêm as suas origens enraizadas nas histórias contidas na Bíblia. Ora, com o sinal da cruz é o mesmíssimo caso: não está escrito literalmente no Novo Testamento que alguém fazia o sinal da cruz, mas entende-se através da sua simbologia, significado e tradição dos primeiros Cristãos que se subentendia desde o início que se tratava de uma “prática nossa” – a mais breve e concisa oração do início da nossa religião. Fazer o sinal da cruz está enraizado na Bíblia tanto quanto todas as celebrações Cristãs.
O próprio Santo Atanásio de Alexandria, o homem católico que definiu os 27 livros do Novo Testamento utilizados hoje em dia como canônicos por todos os Cristãos, escreveu sobre o “poder da oração” que é fazer o sinal da cruz, e seus contemporâneos que juntos criaram o Novo Testamento sabiam e reconheciam a importância deste sinal, e nós temos provas escritas de que eles todos praticavam esta “antiga prática nossa” o tempo todo durante as ações comuns do dia.
Conclusão
Fazer o sinal da cruz é, em si, um atestamento de teologia e de verdade. Ao fazê-lo, nós afirmamos a nossa fé, e mostramos quem nós cremos que seja Deus. Através do sinal da cruz desenhado sobre o nosso corpo, nós afirmamos a vitória da cruz. Não devemos apenas tomar como certo e não pensar sobre o significado de coisas tão importantes. Não se trata de um detalhe de alguma “denominação de Cristão”, algo que se tenha espaço para opinar sobre e relativizar. Trata-se de um dos atestamentos de fé mais antigos da fé cristã, que há 2000 anos se mantém entre nós, nos conectando diretamente com aqueles que conviveram com Jesus Cristo durante a sua passagem por esta terra.
Então se você é Cristão, e por algum motivo você não faz o sinal da cruz no seu dia a dia, eu sugiro que você comece a fazê-lo hoje. Se existe algo que nos une, é o sinal da cruz. Não devemos permitir que orgulhos humanos nos afastem de Cristo, da sua Paixão, e nem de nós mesmos, que juntos formamos o Corpo de Cristo, a sua Santa Igreja.
Eu sugiro também que, ao invés de você simplesmente resgatar esta “antiga prática nossa” e reintroduzi-la na sua vida, de onde ela nunca deveria ter deixado de existir, que você também faça a sua própria pesquisa entre as fontes Cristãs que não permitiram que esta prática valiosíssima da nossa religião se perdesse – os que preservaram a sua relevância dos tempos dos Apóstolos até hoje. Ao fazer isso, você aprenderá muito, e descobrirá que o sinal da cruz não é a única coisa que foi perdida por algumas denominações Cristãs modernas – existem muitos bens dos primeiros cristãos que foram abandonados e perdidos com o tempo, mas que são práticas de fé preciosíssimas.
Para nós, que fazemos o sinal da cruz diversas vezes durante o dia, assim os antigos cristãos faziam, trata-se de uma parte linda da nossa fé diária. É uma forma em que nós nos apresentamos por completo a Jesus Cristo, várias vezes ao dia – é um momento tão passageiro, mas que une o físico ao espiritual de uma forma que palavras não conseguem realizar. E com isso, nós vestimos a cruz, literalmente, todos os dias. Nós vestimos a vitória da cruz – nós carregamos a responsabilidade da continuidade da missão de Cristo.
Muito bom! Que interessante! Gostei…quero ler os próximos.
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