Por que eu deixei de ser piloto de automobilismo?

Eu ainda recebo todos os dias perguntas sobre por qual motivo eu deixei de ser piloto profissional de automobilismo: “Você parou mesmo? Quando você vai voltar a correr? Quando teremos notícias?” Muitas vezes, também recebo outro tipo de comentário: “Que pena que você parou! Não deveria ter parado!” E também tem um outro tipo – o tipo que eu desgosto: “Por que você desistiu de ser piloto?” Essa última é foda!

Todas essas perguntas têm uma única coisa em comum: elas assumem que eu parei de correr por algum motivo que era contra a minha vontade. É por isso que todas elas – bem intencionadas ou não – estão erradas.

Eu comecei a correr de kart aos 7 anos de idade, fazendo as primeiras corridas em 1993. O meu sonho de criança – o meu sonho de vida – era me tornar um piloto profissional de automobilismo. Era um daqueles sonhos malucos, tipo tem gente que queria ser astronauta, ou meninos que querem ser que nem o Neymar, ou meninas que querem ser top model… enfim, era um sonho que tinha uma chance mínima de se transformar em realidade.

Eu corri de kart de 1993 a 2001. De 1993 a 1997 foi somente no Brasil. Em 1998, aos 13 anos de idade, eu comecei a competir exclusivamente fora do Brasil – a maior parte do tempo era na Itália, que era o centro do kartismo no mundo (não sei se ainda é). No final de 2001 eu migrei para os carros de corrida: Fórmula Renault Europeia era a categoria. Fiz o mesmo campeonato novamente em 2002. Em 2003, eu estava cansado de estar longe do Brasil, de saco cheio de morar na Europa, e a solução para isso foi fazer o Campeonato Sul Americano de Fórmula 3, no Brasil e na Argentina. Acho que nem existe mais esse campeonato, já estava morrendo quando eu participei. Antes do fim de 2003, ficou claro para mim que existia um abismo enorme entre Brasil e Europa para automobilismo, e eu voltei para lá me sentindo melhor e vendo mais propósito em ficar longe de casa. Em 2004 fiz o Campeonato Europeu de Fórmula 3. No ano seguinte, em 2005, fiz o campeonato World Series by Renault – depois virou Fórmula Renault 3.5, e depois não sei se morreu também ou mudou de nome de novo. Em 2006, eu faria o Campeonato Internacional de Fórmula 3000, mas eu sofri um acidente no treino de classificação para a primeira corrida da temporada, e fiquei 18 meses sem poder competir – sim, um ano e meio fora das pistas, me recuperando. Depois faço um post dedicado a isso, porque é uma história bem interessante. Mas enfim, voltei a correr no final de 2007, fazendo minha estreia no automobilismo endurance, participando da etapa de Interlagos do campeonato Le Mans Series Europeia. Foi aí que eu consegui, pela primeira vez na vida, fazer corridas ganhando algum dinheiro e sem depender de patrocinadores – ou seja, eu me tornei um profissional desse ramo. Então, foram 15 anos de construção desse sonho, do começo em 1993 até a primeira corrida ganhando salário, em 2008. Foi nesse patamar que eu fiquei até o final da minha carreira. De 2009 a 2011 eu competi na Le Mans Series na Europa. De 2012 a 2016 eu competi no FIA WEC – Mundial de Endurance. Em 2017 fiz somente uma etapa de volta na Le Mans Series, e também as 24 Horas de Le Mans. Em 2018, fiz parte do campeonato do GT Open na Europa, quando decidi finalmente mudar de vida.

Sim, foi um parágrafo gigantesco. Ele sumariza com ausência total de detalhes a minha carreira de piloto. Foram 25 anos de carreira, dos 7 anos de idade no kart aos 33 quando eu decidi parar. Foram 10 anos como profissional, de 2008 a 2018. É a história de uma vida toda!

Mas então, por que eu parei de correr?

Eu já queria parar faz um tempo, desde 2016. O que me faltava era coragem de trocar o certo pelo duvidoso. Eu fiz isso a minha vida inteira desde criança, eu não sabia como seria a nova vida sem fazer parte disso. Você está seguindo em um caminho e construindo o caminho há anos. De repente, a ausência de um caminho para seguir é assustador, da mesma forma que é libertador. Eu sou grato por não ter parado em 2016. Eu teria perdido o ponto mais alto da minha carreira na minha avaliação própria do meu talento: a pole-position nas 24 Horas de Le Mans de 2017. Mas talvez, parar depois de Le Mans em 2017 teria sido o ideal – vai saber?! Fato é que eu acordei em uma manhã de sábado em 2018, e naquele momento em que eu abri os olhos na cama eu decidi: é hoje. E assim eu parei. Mandei e-mails para quem precisava, agradeci quem precisava, quebrei meus contratos, mandei um foda-se para um monte de gente, e gastei uma hora redigindo um post honesto no Instagram para vocês que me acompanham.

Como eu avalio a minha vontade de parar? Eu sinto que eu tinha um sonho de criança daqueles quase impossíveis de se realizar. Eu sinto que eu conquistei esse sonho quase inatingível. Eu sinto que eu vivi esse sonho – de ser piloto profissional – por um período de 10 anos. E eu sinto que um sonho, depois que se torna realidade, perde muito do seu valor. Ele se torna simplesmente a realidade, o dia a dia… perde o encanto. Eu senti exatamente isso. Eu escalei até o topo do Monte Everest, quase me matei fazendo isso, e ao chegar lá no topo eu senti um certo alívio e ao mesmo tempo uma decepção – a vista não era a que eu havia sonhado, ela era bem menos interessante.

Eu sinto que parar de correr foi uma conquista tão grande quanto ter conquistado o meu sonho. Eu vejo tantos pilotos que ficam a vida toda fazendo a mesma coisa. Ou morrem pelo caminho, ou o caminho termina por questões político-econômicas, ou seguem até velhos fazendo a mesma coisa. Não estou menosprezando quem faz isso, de forma alguma. É a escolha de cada um, e se o cara se sente completo fazendo a mesma coisa a vida toda, é mérito dele. Para mim, não é assim. Eu preciso ser desafiado, eu preciso encarar medos e incertezas, eu preciso de uma guerra para travar. Sendo assim, largar isso tudo e me ver pela primeira vez na vida com todas as opções do mundo nas mãos – isso sim é uma conquista para mim. É coragem para encarar essa escuridão das incertezas.

“Ah, mas ser piloto é o sonho de tanta gente!” Eu ouço isso muito, de todo tipo de gente. Eu entendo. Mas o jardim do outro é sempre mais verde que o nosso, em tudo o que nós fazemos. Um fã de automobilismo vê o lado superficial do que é ser piloto. Alguém que trabalha com isso a vida inteira vê todos os lados – e têm alguns lados que são muito feios. Ser piloto de automobilismo é um trabalho como qualquer outro – a diferença é que tem uma atenção especial, um glamour, um ego diferenciado. Tirando isso, você é um empregado de alguém, e ou você faz o jogo do empregador, ou você será substituído. Depois de anos fazendo isso, fica muito claro que é um trabalho como qualquer outro, com as mesmas incertezas e injustiças.

Eu tive o sonho de ser um piloto profissional. Eu decidi correr atrás desse sonho. Eu transformei esse sonho em realidade. Eu vivi esse sonho. Eu decidi dar um fim nesse sonho. Eu decidi tocar a minha vida em outra direção. Tem uma história mais positiva do que essa?

21 comentários sobre “Por que eu deixei de ser piloto de automobilismo?

  1. Fernando te sigo a pouco tempo no instagram e confesso que não sabia que teria sido piloto . Que bom conhecer um pouquinho da sua história. Saber que você tinha um sonho e conseguiu realizá-lo. Só te digo uma coisa, o importante é que você está sendo feliz , isto é o que realmente importa.
    Abraço!

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  2. Nesse pouco tempo que te acompanho, já reparei várias coisas interessantes: Sua intensidade. Você é aquele cara que não para quieto, quer fazer uma porrada de coisas, mas quer fazer todas elas bem feitas. Exigente ao extremo, crítico e aparentemente inabalável. Sua força mental supera sua força física pois é um cara profundo, que se prende firmemente com conceitos e valores muito sólidos.
    Ter sobrevivido ao fatídico acidente que por vezes mencionou, não foi por acaso. Você tem um propósito grande, Fernando. Que vai além de influenciar positivamente o quarto de milhão de seguidores em uma rede social. Esse número ainda é baixo diante da quantidade que pessoas que se beneficiarão no dia que você realmente chegar na sua plenitude.
    Enquanto isso te desejo uma boa jornada. Rumo ao auge!

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    1. E aí cara! Muitíssimo obrigado pelo seu comentário. É muito bom – e um tanto surreal – ler textos assim. A gente nunca tem a verdadeira noção do impacto, positivo ou negativo, que nós temos. Mas conhecendo você e a forma como você encara a vida, e sabendo que é da forma como você descreveu que eu te impacto, me dá certeza de que estou trilhando o caminho certo.

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  3. Estamos na Terra para experienciar, conviver, trocar emoções …
    Até que passamos pelo autoconhecimento, e aí algumas coisas fazem mais sentido, enquanto muitas perdem rs
    Parabéns pelo seu sonho realizado, por tantos outros que virão e pela coragem de mudar sempre para evoluir! #vida 😘

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  4. Texto muito bom, no ultimos tempos percebo que o automobilismo vai ficando menos interessante enquanto se torna cada vez mais profissional; é muito mais legal ver (ou mesmo participar) de uma corrida de kart indor, do que assistir aquele jogo de cartas marcadas que se tornou algumas das principais categorias mundo a fora. Ainda gosto da Formula Indy, parece manter um mínimo desse espirito quase amador, e a maioria das corridas é imprevisível.

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  5. Fernando, sou fã de automobilismo e sigo você nas redes desde os tempos do WEC. Entendo perfeitamente o processo que o levou a dar um fim no sonho de ser piloto profissional, mas sem querer ser um dos chatos e ao mesmo tempo sendo um dos chatos que lhe perguntam. Gostaria de saber se você não toparia fazer corridas esporádicas de turismo como a Porsche GT no Brasil ou mesmo uma ou outra etapa de Stock Car. Você é super talentoso e tenho certeza que poderia faturar uma grana além de se divertir bastante haha
    Enfim, você continuaria sendo empreendedor e digital influencer mesmo fazendo corridas esporádicas. Grande abraço!

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    1. Fala cara, tudo bem? Obrigado pelo carinho. Acho que seria legal sim. Eventualmente isso pode acontecer, não coloco barreiras em nada. Acho que só preciso de um tempo mesmo para separar bem as coisas e começar a ver corrida como diversão e não trabalho.

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  6. It’s difficult for me to translate but it was a pleasure and honour to see you racing. You have got many highlights in your career but I never forget the pole position of the 24H Le Mans 2017 . A true demonstration how to drive a car. Thank you soo much my friend for those beautiful years of racing. To be honest I miss those race’s but I always respect the decision of people. Sometimes we need to close some doors. You are a fantastic racer on your own way. The best 👊 #teamrees #sempre

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